A Selajahfary esteve à conversa com o artista Brother Jamez. Falámos sobre o novo álbum, o impacto da pandemia e os projectos para 2022.
Para os nossos leitores que possam não estar tão familiarizados com o teu trabalho, quem é Jamez?
Jamez é o meu projecto autoral de músicas originais. A minha mãe cresceu no Zimbabué e na África do Sul e quando eu era puto costumava-me chamar, por vezes, James, que é a tradução do meu nome para inglês. E como alguns amigos me tratam há muitos anos pela minha alcunha, Zumbi (que foi um dos grandes nomes da história do Brasil, líder do Quilombo dos Palmares, guerreiro e um dos grandes símbolos da luta dos negros e dos africanos contra a escravidão no Brasil), resolvi pôr o “Z” no nome Jamez e assim ficou, Brother Jamez. Entretanto, lancei o meu primeiro álbum, “Highlights”, em Dezembro de 2016 e, no ano passado, o meu mais recente álbum que se chama “Lion (He)Art”. Este projecto a solo nasceu da minha vontade de partilhar com todo o massivo as imensas músicas que tenho composto nos últimos anos.
Começaste a tocar aos 10 anos, certo? Como foi o início da tua paixão pela música até à entrada nesta indústria?
Foi uma grande paixão desde o início. Cresci nos anos 80/90 e nesses anos as guitarras rebentavam com tudo, sempre gostei de as ouvir nos diferentes estilos. Tinha um tio que era meu vizinho e que tocava numa igreja evangélica e quando ele não estava em casa, sem ele saber, ia para a casa dele tentar tirar uns sons de uma viola acústica velhinha que ele tinha até que ele começou a perceber que eu não a largava (apesar de naquela altura ainda não saber fazer nenhum acorde) e uns anitos depois ele ofereceu-m. Então, pude dedicar-me mais a aprender e a desenvolver a minha paixão pela música, anos mais tarde cheguei a ter aulas e ofereceram-me a minha primeira guitarra eléctrica, que ainda tenho. Aos 16 anos fui convidado para integrar uma banda de Punk Rock Alternativo e tive que parar com as aulas porque o dinheiro ou dava para pagar as aulas ou a sala de ensaios e como estava cheio de vontade de tocar numa banda escolhi pagar a sala de ensaios e tocar com eles. Se calhar devia ter continuado a ter aulas e a aperfeiçoar mais as técnicas. No entanto, toquei em várias bandas de diferentes estilos de música até ter formado este presente projecto a solo.
E como surgiu a tua ligação ao reggae?
A minha ligação ao reggae começou desde a primeira vez que ouvi o álbum “Legend” do rei Bob Marley. Uma amiga minha tinha passado por minha casa e emprestou-me uns álbuns que ela tinha. E quando meti esse álbum a tocar bateu-me bem forte, adorei aquela vibe. Positivamente diferente de todas as que já conhecia, passei dias, semanas, meses a ouvi-lo e até que fui pesquisando mais como podia, eram outros tempos, sem Internet e a informação que hoje felizmente existe, sobre a cultura Rastafari e comecei a chegar a muitos outros cantores e a muitas outras bandas, bem como aos activistas Marcus Garvey e Malcom X e claro, à sua majestade Imperial, Rei dos reis, Senhor dos senhores: Haile Selassie I. Lembro-me que para perceber várias coisas ao mesmo tempo foi muito importante um livro que uma sister minha trouxe de Inglaterra e uma cassete com uns dubs do Lee Scratch Perry que também me emprestou. Tirei fotocópias do livro e absorvi muita daquela informação. Frequentei a casa Rastafari Enoque que existia em Vila Franca de Xira onde vários rastas consagravam e partilhavam pensamentos, experiências e filosofias de vida que penso que foi a primeira do género na tuga. Nessa altura em Portugal era difícil ouvir música reggae nas rádios e na televisão. Talvez uma ou outra dos Kussondulola que estavam a começar, dos Inner Circle, dos UB40 e do Bob Marley & The Wailers. Só anos mais tarde é que surgiu cá um movimento digno disso e até se tornou moda, com alguns festivais grandes a encabeçarem com nomes internacionais do reggae, depois a moda passou e só ficou quem é de verdade.
Também és guia turístico e fazes tours muito ligados à arte, nomeadamente à street art. De que forma ligas o teu amor pela arte à profissão de guia?
Ligo muito ou mais possível mas de uma maneira profissional. Estudei Artes-gráficas, Fotografia e História mas também tenho uma paixão por outras artes como a escrita, a pintura ou a cinematografia. A experiência de vida é a maior arte delas todas e é aquela que não se adquire com nenhum curso. Sempre que posso adoro viajar e conhecer diferentes culturas e cultivar-me mais um pouco. Gosto de aventuras, já fiz viagens de meses sozinho por outros países ou continentes, então também sei o que é estar do outro lado de lá e ser um viajante. Humildemente gosto de ser um dos cicerones de Lisboa e como guia passar muitos dos conhecimentos da historia de Lisboa e de Portugal para quem faz os tours comigo. O balanço, graças a Deus, tem sido positivo.
No ano passado lançaste “LION (HE)ART”. Como foi a aceitação?
A aceitação tem sido muito boa dentro do possível. Quem já me conhecia notou uma grande evolução na produção e qualidade das músicas. Elas foram gravadas e produzidas por Jazzafari, tal como o primeiro álbum mas desta vez tivemos mais tempo para gravar e trabalhar afincadamente em todas elas. Por vezes, existe criatividade mas não se tem os meios para atingir o fim. Desta vez conseguimos ter as duas e estou orgulhoso do que atingimos juntos que foi este novo álbum ter nascido. Quanto à aceitação tenho estado a sentir um bom feedback e as pessoas têm estado a gostar destas novas paisagens sonoras. Estou grato a todos os músicos que participaram no álbum como é o caso do mano Orlando Santos e do Renato Chantre e estou super grato a todos que partilharam as músicas, tal como estou grato a algumas plataformas que me apoiaram na partilha como a Selajahfary, e como algumas rádios nacionais e internacionais que o fizeram.
Qual a principal mensagem que querias passar com este trabalho?
A mensagem é a mesma desde o princípio, não de uma maneira propositada mas de uma maneira natural que vai fluindo. Música consciente com uma forte mensagem de luta e de esperança em melhores dias. Músicas de amor, de liberdade e de revolução.
Estamos a viver tempos conturbados. De que forma a pandemia tem afectado o teu trabalho?
Sinceramente afectou bastante porque quando ia para lançar o álbum e tinha algumas datas fechadas para alguns concertos de apresentação apareceu este vírus e o primeiro confinamento. Então tive que me adaptar, ainda me estou adaptar, a estes diferentes ritmos, tal como toda a gente, e resolvi por exemplo ir lançando as músicas novas uma a uma, como tenho estado a fazer e como irei continuar.
O que podemos esperar para 2022?
Podem esperar mais algumas músicas novas durante este ano. A próxima que irei lançar chama-se “Freedom & Rights” e tem uma forte mensagem de liberdade contra este sistema capitalista que nos oprime. Também espero que este ano consiga conjugar os meus trabalhos e que possa tocar um pouco mais ao vivo. Que haja saúde e segurança para o fazer, acredito que sim. Também estou à procura de um agenciamento que me possa dar um boost. Tive umas propostas mas nenhuma me agradou, nenhuma que eu confiasse a 100%. Quero acreditar e relaxar com as condições certas para poder tocar mais ao vivo a solo ou com banda e para que as músicas que tanto trabalho me deram a escrever/compor e posteriormente a gravar e a produzirem poderem chegar a muitas mais pessoas com qualidade apesar das músicas novas estarem disponíveis em todas as plataformas digitais do costume, as antigas só no Bandcamp.
Tens uma mensagem para os nossos leitores?
A minha mensagem é que pensem globalmente e actuem localmente, não interessa as condições, a verdadeira música terá que estar sempre viva, tal como a mensagem, as boas intenções e a verdade divina, então mantenham-se firmes, fortes e unidos. Que haja empatia e harmonia, que se respeitem e se apoiem uns aos outros nestes tempos difíceis em que alguns direitos humanos são descartáveis a uma escala global. Que haja prosperidade, justiça e direitos iguais, que não só falem de paz, mas também que a pratiquem todos os dias, que haja liberdade e boas vibrações entre todos os irmãos e que todos os seres deste planeta possam usufruir de uma vida plena.